A entrega, hoje, do Prémio Nobel da Química a Emmanuelle Charpentier e a Jennifer A. Doudna pelo seu trabalho de 2012 no desenvolvimento do CRISPR-CAS9, um método que permite a edição do genoma é extraordinária a vários níveis.
Primeiro porque celebra a criação de conhecimento biológico fundamental, ou seja a compreensão de como as bactérias conseguem utilizar a informação genética que lhes é introduzida por diferentes vírus para criar uma forma de lhes resistir.
Segundo porque celebra a capacidade de transformar este conhecimento fundamental numa aplicação útil, que está a revolucionar a forma de estudar a vida.
Terceiro porque essa aplicação – a capacidade de editar detalhadamente e com precisão o código genético de qualquer organismo – permite criar mais conhecimento fundamental, permitindo desenvolver protocolos para estudar a funcionalidade de virtualmente todas as proteínas codificadas pelos organismos vivos.
Quarto porque esta aplicação permite desenvolver métodos terapêuticos para prevenir ou tratar efeitos indesejados de proteínas defeituosas, transmitidas geneticamente, as quais existem em baixa percentagem na população humana, mas que quando presentes têm um impacto imenso na qualidade de vida das pessoas que as contêm.
Quinto porque esta aplicação permite desenvolver terapias para o tratamento do cancro, sendo este por vezes de origem genética, mas também muitas vezes derivado da acumulação indesejada de mutações que produzem proteínas indutoras do processo oncogénico
Finalmente porque permite perspetivar a gestão dos genomas das plantas e animais domesticados, ajustando esses genomas às necessidades de produção de alimentos, fibras, compostos e outros produtos necessários à nossa sobrevivência, e ajustando as características destes organismos às alterações climáticas e aos stresses bióticos e abióticos que têm que suportar para aumentar a sustentabilidade da produção agrícola.
Finalmente este prémio é também extraordinário porque esta aplicação foi desenvolvida por duas investigadoras. No século XXI são as quarta e quinta mulheres a receberem o prémio nobel da química, em 50 premiados, demonstrando que ainda há muito caminho a percorrer para que a igualdade de oportunidades de género chegue também às áreas científicas. Emmanuelle Charpentier, uma das premiadas espera que este prémio inspire as jovens a “seguir o caminho da ciência”.
Esta tecnologia, como qualquer tecnologia apresenta também riscos nas mais diversas áreas da sua aplicação. Espero que esses riscos sejam avaliados e tidos em consideração em cada nova forma de aplicação, mas que não sejam uma forma de proibir o uso de uma ferramenta que pode ser utilizada para melhorar a vida de milhões e milhões de pessoas em todo o mundo.
Pedro Fevereiro
PhD, Hab.
Presidente do CiB-Centro de Informação de Biotecnologia
- Este artigo de opinião foi originalmente publicado no jornal Público, em 7 de outubro de 2020