“Mais saudável e mais barato”, o extrato de algas pode ter várias aplicações, desde logo na agricultura e na pecuária. Para as plantas é um adubo biológico quase completo e para os animais deveria ser misturado com a ração. Quem o diz é Kiril Bahcevandziev, Professor na Escola Superior Agrária de Coimbra e investigador no CERNAS, que há varios anos estuda as macroalgas.
Entrevista: Margarida Paredes / CiB
Fotografia e vídeo: Joaquim Miranda
Na investigação que desenvolve, qual é a componente mais virada para a biotecnologia?
Neste momento, estou a trabalhar com um colega da Universidade de Coimbra num projeto com macroalgas, para utilização do extrato como adubo biológico. Aquilo que nos interessa saber é como é que as plantas reagem ao ser-lhes adicionada esta nova fonte de nutrientes que se encontra no extrato de macroalgas. Queremos saber, por exemplo, de que forma é que esses nutrientes influenciam, ou não, o metabolismo das plantas e como é que o metabolismo influencia, ou não, o crescimento, o desenvolvimento e a produção das plantas para a finalidade que nos interessa (por exemplo, para alimentação ou proteção contra os inimigos das plantas). Estamos em fase de estudo, mas já temos algumas publicações.
Por que escolheu estudar algas? O que é que têm de especial?
As algas são um grupo diversificado de organismos aquáticos com a capacidade de fazer fotossíntese e são muito resistentes aos stresses ambientais. Sobrevivem a marés fortíssimas e a temperaturas extremas. Sabia que a maior quantidade de certos metabólitos com melhor qualidade é obtida quando a planta está exposta a situações de stress? Os ambientes stressantes fazem com que as macroalgas e as plantas produzam diversos metabólitos. Isso é genético, as plantas estão habituadas a reagir perante a exposição a situações fora de comum.
Onde vai buscar as algas? Imagino que não as produza…
Não produzimos, mas construir um viveiro de macroalgas seria um trabalho muito interessante a nível nacional. As algas com que trabalhamos são colhidas no mar. Nos nossos laboratórios tiramos delas o extrato para aplicação como tratamento em plantas. Não é um processo invasivo.
Até agora, a que resultados chegou?
Podemos afirmar que, como adubo biológico, o extrato de algas é fantástico. Os resultados são muito interessantes. Inesperados, porque não são muito comuns, mas interessantes. Fiquei surpreendido com as reações que as plantas têm com diferentes tipos de algas. Historicamente, era comum em Portugal utilizar dois tipos de tratamentos com algas. Na zona de Aveiro, por exemplo, tirava-se o moliço do mar e colocava-se nos campos. Era um tipo de compostagem natural, em que se colocava a alga por cima do solo e depois, por ação do sol, a alga ía libertando a água (o problema deste método é a água salgada, que modifica as características do solo). No Norte faziam a mesma coisa com o sargaço – as macieiras perto de Viana do Castelo foram alimentadas com sargaço, o processo era o mesmo. E nós, o que fazemos? Em vez de colocar a alga diretamente no solo, usamos o seu extrato, que é rico em nutrientes. Deste modo, eliminamos as partes que não nos interessam.
Por que é que o extrato de algas é interessante para aplicação na agricultura?
Porque é mais saudável e é mais barato. Estes aspetos são importantes, quer para o consumidor, quer para o agricultor.
Os testes foram feitos em pimentos. Porquê?
Essencialmente porque o pimento é uma planta estável. Significa que se eu aplicar 3 ou 4 diferentes tipos de adubo sei que, geneticamente, aquela planta vai dar-me a resposta que espero e não vai ter alterações, independentemente do que se passar no ambiente em que está inserida. A estabilidade é muito importante porque qualquer tipo de variabilidade influencia os resultados finais. Ao contrário do pimento, existem plantas que não oferecem muita establidade, reagem de uma maneira diferente quando o ambiente é alterado.
O extrato de macroalgas pode ser aplicado em todas as hortícolas?
Já temos feito estudos em outras culturas e funciona. Pode ser aplicado numa variedade enorme de hortícolas. Se funciona no pimento, que é uma planta estável, também funciona na alface, no tomate, no feijão, no pepino…
Para além de fertilizante, bioestimulante, bioregulador e promotor de crescimento, o extrato pode ter aplicações na agricultura mais generalizadas? Pode, por exemplo, ser utilizado para controlar doenças em plantas?
Pode, porque o extrato produz um certo tipo de hormonas, um certo tipo de metabólitos (ainda não sabemos exatamente quais, mas estão em estudo) presentes nas nossas algas. Podemos alterar a concentração do extrato para uma concentração que funciona melhor com um fungo ou com uma bactéria. Por exemplo, num trabalho que realizámos aplicámos uma bactéria fixadora de azoto, que favorece o crescimento das plantas, ao extrato de algas. O que verificamos é que o extrato só com a alga favorece mais a produção da planta do que o extrato com a bactéria. Isto mostra que a alga pode impedir o funcionamento da bactéria e eventualmente reduzir o custo de cultivo. E o mesmo podemos fazer com os fungos. Há indicações de que aquilo que a alga produz está muito relacionado com os microorganismos que podem ser controlados. Mas isto exige mais estudo no futuro.
O que falta para que o extrato de macroalgas seja usado como adubo biológico?
A primeira coisa que falta é financiamento. Se tivermos financiamento, conseguiremos aumentar a capacidade de produzir algas em quantidades suficientes para um certo nível de mercado, caso contrário, não daremos o salto do laboratório para o mercado. Existem empresas interessadas em investir e estamos em contacto com algumas, mas por enquanto é só isso. A ciência sem empresas interessadas em investir não é ciência aplicada, é ciência fechada num laboratório. A ciência tem de sair do laboratório. É obrigação da ciência chegar à indústria, e vice-versa.
Também fez um estudo com algas marinhas para utilização em alimentação e suplementação animal. A que resultados chegou?
Os nossos estudos indicam que o extrato de algas pode e deve ser utilizado na ração animal como suplemento alimentar (não substitui a ração na totalidade porque as algas não contêm todos os nutrientes que uma vaca, uma ovelha ou uma galinha precisam). O problema é que muitas empresas de produção de ração animal não querem arriscar a produzir suplementos com extrato de algas porque leram num jornal que poderia criar problemas de saúde nas galinhas e uma alteração na qualidade dos ovos, mas isso não tem qualquer fundamento científico. No caso das algas, o extrato fornece tudo o que as galinhas precisam, sem prejuízo para a sua saúde.
Com a procura ativa por alternativas aos antibióticos e aos suplementos alimentares típicos, acha que as algas marinhas podem vir a ser a opção principal para a suplementação alimentar de animais, uma vez que não competem por terra arável e água doce?
Poder podem, mas tem que se fazer o que é necessário. É uma questão de tempo e de iniciar osestudos experimentais. Todas as indicações que temos é que há essa hipótese, mas alguém tem de aplicar. E para isto precisamos da abertura e da vontade das empresas de participarem nos estudos.
Que outros projetos relacionados com biotecnologia tem em curso?
Neste momento temos também um projeto com macroalgas para tratamento das águas provenientes das ETARs, que podem depois ser utilizadas na produção agrária.
Kiril Bahcevandziev é Professor Adjunto na Escola Superior Agrária de Coimbra, onde coordena a licenciatura em Biotecnologia, e investigador no CERNAS – Centro de Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade.
*Esta entrevista foi publicada originalmente no jornal Agricultura E Mar.