A União Europeia está a retirar do mercado uma grande parte dos princípios ativos que compõe os produtos fitossanitários e que são diariamente utilizados para controlar pragas e doenças das culturas, justificando que são nefastas para o ambiente e para a saúde humana.
Ao mesmo tempo o Pacto Ecológico Europeu prevê uma redução de 50% na aplicação de fitofármacos na próxima década, argumentando que a sua aplicação apresenta um risco evidente para a biodiversidade, para os ecossistemas e para a saúde humana. Neste contexto, tem abertura oficial em Lisboa, nesta segunda feira, a semana Europeia Verde 2020, na Fundação Calouste Gulbenkian, com um evento em que, curiosamente, não consta nenhuma intervenção de um responsável da Agricultura.
A redução do uso de fitofármacos, que do ponto de vista ideal fará sentido, e de que Portugal é um dos principais atores, pois segundo o Eurostat, reduziu o seu uso em 43%, entre 2011 e 2018, não é, no entanto, acompanhada pela disponibilização de alternativas eficientes, o que tem deixado os produtores agrícolas, em particular os do Sul da Europa, sem soluções para combater pragas e doenças. Esta falta de soluções é especialmente sentida quando novas doenças ou novas estirpes de doenças antigas e novas pragas se instalam nos territórios, algumas promovidas pelas alterações climáticas em curso, em particular pelo aumento médio da temperatura.
À escala global, as pragas e as doenças causam na produção perdas anuais de 10% a 28% no trigo, de 25% a 41% no arroz, de 20% a 41% no milho, de 8% a 21% na batata e de 11% a 32% na soja, de acordo com um estudo publicado na revista Nature, Ecology & Evolution (V.3, Março 2019 pp. 430-439 – www.nature.com/natecolevol). Alguns autores sugerem que as perdas globais das culturas anuais para pragas e doenças podem chegar aos 50% e isto enquanto, anualmente, são gastos mais de 70 mil milhões de dólares no controlo global de diversas pragas.
Por estas razões, e por causa dos impactos que tem na sustentabilidade, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2020 como o Ano Internacional da Fitossanidade. Este foco global na saúde vegetal é uma oportunidade para tomarmos consciência de como a proteção da saúde vegetal é essencial para reduzir a fome e a pobreza, proteger o meio ambiente e impulsionar o desenvolvimento económico em todo o mundo.
Num mundo em que a população atingirá os 8,3 mil milhões de habitantes até 2030, e em que cerca de ¼ da superfície terrestre é cultivada, todos os impactos associados à agricultura têm efeitos globais. Será necessário não só reduzir as perdas devido a pragas, doenças e alterações climáticas, como produzir entre 35% a 50% mais de alimento, ao mesmo tempo que são exigidas adaptações atempadas às alterações climáticas. Neste contexto, todos os modos de produção agrícola são fundamentais para garantir a segurança alimentar, sendo essencial a sustentabilidade dos ecossistemas em que operam.
Uma das doenças que começa a ser uma preocupação é a provocada pela bactéria Xylella fastidiosa, que bloqueia os vasos condutores das oliveiras, produzindo a síndrome do declínio rápido destas árvores. Esta bactéria já se encontra em Portugal e é um risco eminente para a olivicultura portuguesa. Uma praga que começa também a tomar proporções alarmantes em todo o mundo e que já se encontra na europa é o percevejo marmoreado, para o qual não existe controlo eficaz e que consome várias culturas herbáceas.
Neste contexto, é necessário encontrar novas soluções para combater as pragas e doenças das plantas. Essas soluções ainda não existem, ou estão numa fase inicial de experimentação, mas, no mundo, inclusive em Portugal, algumas instituições de investigação e inovação (I&I) estão a trabalhar para que essas soluções sejam uma realidade num futuro próximo.
O InnovPlantProtect (InPP) é um Laboratório Colaborativo sedeado em Elvas, que surgiu por iniciativa da Universidade Nova de Lisboa, tendo 12 associados, entre eles a Câmara Municipal de Elvas, a Universidade de Elvas e o INIAV, e que desenvolve atividade de I&I. Sendo o único Laboratório Colaborativo na sua área em Portugal, o InPP está a perseguir as diferentes opções que permitem uma proteção das culturas mais sustentável, utilizando processos de base biológica para desenvolver novas soluções, nomeadamente utilizando organismos do microbioma vegetal (conjunto de microrganismos que habita sobre ou no interior das plantas), que produzam moléculas biológicas que atuam como antagonistas das pragas e doenças, ou desenvolvendo novas variedades vegetais, utilizando as novas técnicas de edição do genoma, que são capazes, sem a adição de nenhum pesticida, resistir ou tolerar as pragas e as doenças. Estas soluções, que não recorrem aos produtos fitossanitários tradicionais de síntese, são mais específicas (dirigem-se ao agente patogénico ou ao inseto específico), são mais amigas do ambiente (porque não deixam resíduos artificiais) e são não tóxicos para outros organismos, incluindo o ser humano.
O InPP enquadra-se, assim, na estratégia mundial de redução dos impactes ambientais produzidos pela atividade agrícola, sem, no entanto, esquecer a necessidade da sustentabilidade ambiental, mas também social e económica dos sistemas de produção alimentar e percebendo as necessidades de garantir a segurança alimentar ao nível local, regional e mundial, segurança que a atual pandemia que vivenciamos demonstra ser frágil.
Pedro Fevereiro
Biólogo, investigador, CEO do InnovPlantProtect e presidente do CiB-Centro de Investigação de Biotecnologia
*Este artigo de opinião foi originalmente publicado na revista Visão, em 19 de outubro de 2020