Portugal é o quarto maior produtor de castanha na Europa. No mundo, é o sétimo maior exportador. A importância deste produto para economia nacional é grande, mas a sua produção está ameaçada pela secura e pelas elevadas temperaturas. Foi para mitigar o efeito destes stresses que surgiu o projeto CC&NUTS, liderado por Fernanda Fidalgo. Após um ano de trabalho com o castanheiro, a investigadora do Plant Stress Lab avança alguns resultados.
Entrevista: Margarida Paredes / CiB
Fotografias e vídeo: Orlando Almeida
Como é que pretende salvar o castanheiro das alterações climáticas? Trabalha no castanheiro da região de Bragança para o salvar dos efeitos das alterações climáticas. O projeto chama-se CC&NUTS e com ele está a tentar desenvolver estratégias que aumentem a tolerância da planta. Que estratégias são?
O projeto CC&NUTS tem como objetivodesenvolver estratégias para mitigar o efeito de algumas situações de stress, principalmente as elevadas temperaturas e a falta de água (secura). Recorremos a duas estratégias reconhecidas como potencialmente mitigadoras destes stresses – a micorrização e o stress priming – que nunca foram implementadas no castanheiro – este é um dos aspetos inovadores do projeto. Atendendo a que a cultura do castanheiro está muito localizada na terra fria tansmontana, no distrito de Bragança, região com Verões secos e quentes, acreditamos que valia a pena investir no combate a estas situações de stress através da implementação destas duas estratégias.
Com um ano de investigação já é possível falar de resultados?
O projeto está programado para três anos, pelo que um ano ainda não é suficiente para obtermos resultados definitivos, embora já tenhamos alcançado alguns. A nossa primeira abordagem foi tentar identificar e compreender os efeitos singulares e combinados da secura e do calor em diversas variedades de castanheiro, para termos uma visão mais clara dos stresses combinados aos quais a planta está exposta na natureza. Até ao momento, já percebemos que o castanheiro é mais sensível à falta de água do que às temperaturas elevadas e que, numa situação de co-exposição, os efeitos do calor intensificam os danos provocados pela secura. Relativamente à micorrização, já podemos concluir que é uma estratégia eficaz; uma planta micorrizada mostra mais capacidade de lidar com a falta de água e com as temperaturas elevadas do que uma planta não micorrizada. Estamos agora a implementar as estratégias de stress priming.
Em que consistem as estratégias que utiliza, a micorrização e o stress priming?
A micorrização resulta de uma relação simbiótica entre fungos micorrízicos e as raízes das plantas, permitindoque a planta tenha um melhor desempenho em termos fisiológicos, nomeadamente na absorção de água e de nutrientes; No fundo, há uma troca de benefícios recíproca entre o fungo e a planta: o fungo vai beneficiar da planta porque vai receber hidratos de carbono que a planta produz e a planta vai beneficiar da presença do fungo porque este vai torná-la mais eficiente na absorção de água e de nutrientes. Resultados obtidos durante o primeiro ano do projeto comprovaram que, para os stresses avaliados, o castanheiro fica mais bem equipado para lidar com situações de stress quando na presença de associações micorrízicas.
O stress priming envolve a exposição das plantas a um stress moderado, de modo a induzir uma situação de “memória vegetal”, seguida de um período de recuperação antes da exposição ao stress severo. Por já ter contactado com uma situação fisiologicamente desafiante, ainda que de intensidade controlada, espera-se que a planta consiga ativar mecanismos de defesa mais precocemente aquando do aparecimento de situações de stress mais severas, conduzindo a um desempenho melhor.
Que impacto estes resultados vão ter na valorização da produção de castanha em Portugal?
A aplicação de estratégias que protegem as plantas, tornando-as mais tolerantes a situações de stress, vai necessariamente ter repercussões positivas no crescimento da planta e, consequentemente, na sua produção. Uma planta que cresça em boas condições e que tenha um desenvolvimento adequado vai produzir mais e de melhor qualidade. Acredito que o projeto vai contribuir para a valorização da castanha, que é tão importante em Portugal – na Europa, somos o quarto maior produtor de castanha e, a nível mundial, somos o sétimo maior exportador. Penso que o CC&NUTS é um projeto que pode efetivamente ajudar os produtores de castanha a lidar com a falta de água e com as temperaturas elevadas, que, como disse, são situações de stress muito penosas para o crescimento do castanheiro, sobretudo na região de Brangança.
A região de Bragança concentra 85% da área de produção de castanha em Portugal.
Exato. Essa é a razão pela qual o projeto CC&NUTS está focado na região designada de terra fria transmontana, que reúne os concelhos de Vinhais, Valpaços e Bragança, especificamente no Parque Natural de Montesinho.. De resto, também é por isso que temos como parceiros neste projeto a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e o Instituto Politécnico de Bragança. A instituição proponente do projeto é a Faculdade de Ciências do Porto.
De quem foi a ideia deste projeto, que foi distinguido pelo Programa Promove?
A ideia foi nossa, da equipa do Plant Strees lab, um laboratório sediado na FCUP e que faz parte do centro de investigação GreenUPorto.
Como é que testou a aplicabilidade e sucesso das duas estratégias que referiu? Para além de ensaios laboratoriais, recorreu também a experiências de campo no Parque Natural de Montesinho?
Neste momento, estamos a fazer ensaios laboratoriais e planeamos continuar. Todos os resultados obtidos até agora são fruto desses ensaios.. Prevemos passar para os ensaios de campo, como forma de validação da estratégias propostas, em 2025, último ano do projeto,. Ao transferir o conhecimento para o campo, para além da combinação da secura e do calor (condições suficientemente desafiantes para estudar) vamos enfrentar uma panóplia de variantes que não conseguimos controlar. Portanto, é crucial garantir que as estratégias aplicadas estão otimizadas e que saibamos quais os caminhos a seguir para que esses processos não sejam mais uma incógnita, e consigamos depois aplicar o conhecimento em situações reais.
Estamos a fazer esta otimização em castanheiros ainda muito jovens, não só por seremmais adequados para manter em ambiente de laboratório, mas também porque se reconhece que as fases inicias de desenvolvimento de uma planta são críticas para o sucesso do estabelecimento da cultura. Por exemplo, a transferência de plantas de ambiente controlado, como viveiros, para o campo é, diversas vezes, um problema e admitimos que as nossas plantas estejam mais preparadas.
A investigação com o castanheiro envolve biotecnologia?
A biotecnologia é um conceito muito abrangente. No CC&NUTS, recorremos à biotecnologia como ferramenta para a obtenção de plantas micropropagadas, que são produzidas por uma empresa biotecnológica (Deifil) sedeada na Póvoa de Lanhoso. A Deifil é o principal produtor mundial de castanheiros in vitro. Para além de castanheiros, produz oliveiras, mirtilos e plantas ornamentais, entre outras. Algumas plantas chegam-nos já micorrizadas, outras não, para avaliarmos então o efeito da presença das micorrizas.
O papel da Deifil não é apenas fornecer as plantas. Eles integram o consórcio e a sua tarefa passa por otimizar os processos de micropropagação, já que o trabalho com espécies lenhosas e provenientes de condições de campo é bastante moroso e desafiante. A empresa está também a otimizar o processo de microenxertia. Atualmente, quase todos os castanheiros que existem são enxertados devido à doença da tinta, uma doença fúngica que ataca principalmente as raízes e é uma das principais ameças à cultura do castanheiro. Neste sentido, no âmbito do projeto CC&NUTS, a Deifil está a tentar otimizar o processo de enxertia em plantas muito jovens, daí o termo microenxertia, para que, quando estas cheguem aos produtores, já estejam enxertadas num porta enxertos resistente à doença da tinta.
As plantas micropropagadas são plantas produzidas in vitro. Em que consiste este método?
As plantas micropropagadas ou produzidas in vitro são plantas produzidas em ambiente laboratorial a partir de uma parte da planta, por exemplo uma porção de folha, caule ou de outro órgão. Uma das características das plantas micropropagadas é serem geneticamente idênticas. sendo clones umas das outras. Portanto, é um método através do qual podemos regenerar órgãos em condições in vitro e, a partir daí, conseguimos obter uma planta intacta. Geralmente, o que se faz na micropropagação é, inicialmente, promover o desenvolvimento da parte aérea da planta e depois da parte radicular, usando um meio artificial em condições ambientais perfeitamente controladas. Todo este processo tem de ocorrer em condições asséticas.
A maior parte da produção de castanheiro advém de propagação in vitro?
Sim, porque no castanheiro, à semelhança de outras espécies arbóreas, os métodos de reprodução sexuada são ineficientes para dar resposta às necessidades do mercado – ou seja, há baixas taxas de germinação da semente. Portanto, a maior parte das plantas que existem advém, de facto, do método de propagação in vitro. O mesmo acontece com a maior parte das espécies ornamentais que estão no horto. As pessoas não têm essa noção, mas a maior parte das plantas que se compram no horto são micropropagadas.
Desenvolvem outros projetos com uma componente biotecnológica?
Temos alguns projetos que recorrem a técnicas biotecnológicas, mas não necessariamente a micropropagação. Neste momento, o que fazemos em termos de micropropagação é apenas em ambiente de aulas de mestrado, no âmbito de uma unidade curricular designada “Laboratório de Biotecnologia”, que tem uma componente muito prática.
Efetivamente, a biotecnologia é uma área muito abrangente que engloba diferentes ferramentas e abordagens. A título de exemplo, temos um projeto que consiste na valorização do sargaço, a acumulação de macroalgas nas praias, para a produção de bioestimulantes a serem usados para mitigar o stress imposto pela secura e também pelo excesso de cobre que se verifica em muitos solos. O cobre é um elemento muito utilizado, nomeadamente em fungicidas como a calda bordalesa (solução fungicida de cal e sulfato de cobre, que é utilizada inclusivamente na agricultura biológica). Existem muitos solos que apresentam níveis demasiado elevados de cobre.. No âmbito deste projeto, uma estudante de doutoramento , a Maria Martins tem vindo a avaliar o efeito mitigador da adição de sargaço ao solo no sentido de perceber se podia aliviar o stress pela presença de cobre e por secura, individualmente e em combinação. É também uma forma de aproveitar e dar utilidade a esse resíduo orgânico rico em nutrientes, que ocorre naturalmente sendo cada vez mais abundante devido ao aumento da temperatura dá água do mar. É uma abordagem biotecnológica associada à economia circular.
Tivemos um outro projeto (Pest(bio)cide), financiado pela FCT e recentemente concluído, cujo objetivo principal foi utilizar a biomassa fresca de eucalipto (são aqueles rebentos de eucalipto que surgem após um incêndio) para a produção de novos biopesticidas. Como sabe, onde há eucaliptos geralmente não crescem mais plantas. Os eucaliptos são capazes de produzir alguns compostos, nomeadamente metabolitos que interferem com o crescimento das outras plantas. Essas propriedades, que em biologia denominamos de propriedades alelopáticas, podem ser aproveitadas para formular novos compostos com atividades biológicas. Assim, utilizámos a biomassa foliar de eucaliptos jovens, que rebentam rapidamente após um incêndio florestal, para , desenvolver um produto, um extrato aquoso obtido a partir de folhas secas, que revelou possuir propriedades interessante. Este trabalho foi desenvolvido por uma estudante no âmbito do seu mestrado, que entretanto seguiu para doutoramento com um projeto, também financiado pela FCT, no qual vai tentar perceber se consegue formular um nanobiocida, através do encapsulamento do extrato aquoso e de óleos essenciais de eucalipto. Para além do efeito herbicidada, vai testar também o efeito bactericida e, eventualmente, o efeio fungicida dessas nanopartículas.
Fernanda Fidalgo
Fernanda Fidalgo é doutorada em Biologia (especialidade de Fisiologia Vegetal) pela Universidade do Porto. É professora associada com agregação no Departamento de Biologia da FCUP, investigadora no GreenUPorto (http://www.fc.up.pt / GreenUPorto /), e coordenadora do laboratório Plant Stress lab (GreenUPorto/FCUP).
Nos últimos anos, os interesses de investigação têm sido focalizados no estudo dos aspetos fisiológicos, bioquímicos, moleculares e ultraestruturais envolvidos na resposta das plantas a diferentes tipos de stress abiótico (salinidade, UV-B, metais pesados, nanomateriais, contaminantes orgânicos), especialmente num contexto de alterações climáticas, crise ambiental e produtividade agrícola, com destaque no estudo da homeostasia redox e metabolismo antioxidante. Além disso, a sua atividade de investigação tem também considerado o desenvolvimento de abordagens ecológicas para mitigar os efeitos do stress e/ou melhorar a tolerância das plantas. Paralelamente, técnicas de cultura in vitro têm sido utilizadas como modelo para identificar respostas bioquímicas e metabólicas das células vegetais a fatores de stress abiótico.
Como professora, está envolvida na docência de várias unidades curriculares de diferentes ciclos de estudo (licenciatura, mestrado e doutoramento) e foi/é orientadora/coorientadora de vários estudantes de mestrado e de doutoramento.
*Esta entrevista foi feita pelo CiB e publicada na edição de fevereiro de 2024 da revista Vida Rural.