O Pacto Ecológico e o PEPAC não podem ignorar a biotecnologia. Esta foi uma das principais conclusões do webinar que o CiB – Centro de Informação de Biotecnologia e a CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal realizaram no passado dia 25 de março. Neste encontro debateu-se a importância da biotecnologia para o cumprimento das metas definidas na estratégia do Prado ao Prato e questionou-se se o Pacto Ecológico e o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum refletem essa importância.
Com uma população mundial em crescimento, a que se juntam todos os grandes desafios que se adivinham para a agricultura nos próximos anos, nomeadamente as alterações climáticas, pragas e doenças emergentes, eventos de pandemia e guerra, será que as grandes estratégias europeias permitirão manter a segurança alimentar? Será que a União Europeia poderá menosprezar, tal como fez no passado, o papel das novas ferramentas biotecnológicas na produção mais eficiente e sustentável de alimentos? Neste encontro virtual, a resposta foi consensual: não.
Numa breve nota inicial, o diretor-geral da CropLife Europe, Olivier de Matos, destacou o “princípio fundamental” de que “a sustentabilidade, a biodivesidade e a agricultura podem e devem coexistir” e que “a modificação genética é parte da solução”. Para Olivier de Matos, os agricultores precisam de soluções variadas e inovadoras para enfrentar os desafios atuais: “A biotecnologia deve fazer parte da caixa de ferramentas dos agricultores europeus para promover um abastecimento alimentar mais sustentável e resiliente.” Mas, ao contrário do que acontece noutros países fora da Europa, onde as novas tecnologias estão a ser rapidamente desenvolvidas e adotadas, as regras atuais da União Europeia dificultam o desenvolvimento e a disponibilidade dos produtos obtidos pelas Novas Técnicas Genómicas (NGT) aos agricultores europeus. “Essa situação tem um impacto na inovação e na competitividade do continente europeu”, enfatizou Olivier de Matos.
Referindo-se à dependência da UE das importações das culturas ricas em proteínas para alimentação animal, o diretor-geral da CropLife Europe afirmou que a guerra na Ucrânia tornou uma vez mais evidente a importância do fornecimento de matérias-primas para alimentação animal que, devido aos atuais atrasos no processo de autorização de importação de algumas culturas GM, continuam a criar barreiras desnecessárias ao comércio e incertezas na cadeia de valor.
O investigador e Professor da Universidade de Coimbra e também Presidente do CiB, Jorge Canhoto, lamentou o facto de a Europa, em 2022, estar a usar tecnologias de melhoramento de plantas com mais de 50 anos, tendo disponível tecnologias recentes que permitem modificar as plantas de uma forma muito mais precisa: “O que continuamos a fazer é basicamente cruzamentos e seleção, o que não faz muito sentido.”
Se o potencial das NGT é imenso, porque são então alvo de contestação? A explicação de Jorge Canhoto é que “tudo o que envolve DNA assusta as pessoas” e as campanhas contra, dos movimentos ecologistas, reforçam esse medo. Também a decisão do Tribunal de Justiça Europeu, em 2018, de submeter as NGT à regulamentação dos OGM “não favorece a aceitação” destas tecnologias. Jorge Canhoto salientou, no entanto, o avanço dado pela Comissão Europeia no sentido de alterar esta legislação, referindo-se ao estudo da CE publicado em abril de 2021 que reconhece que a legislação dos OGM não é adequada às NGT e que por isso é importante refletir sobre uma alteração legislativa para que estas novas tecnologias possam mais facilmente ser disponibilizadas aos agricultores europeus.
Há muitos anos que se discutem, a nível da UE, as novas técnicas de melhoramento. São sete ou oito técnicas de melhoramento que têm vindo a ser discutidas em grupos de trabalho, existindo já inúmeros documentos produzidos sobre esta matéria; no entanto, a Comissão nunca apresentou, efectivamente, uma proposta legislativa para podermos ter alguma certeza jurídica que diga respeito a este tipo de variedades”, afirma a sub-diretora da DGAV Ana Paula Garcia, adiantando que se prevê que “a Comissão apresente no segundo trimestre deste ano uma proposta de regulamento que venha efetivamente dizer como é que as novas técnicas (mutagénese e cisgénese) devem ser enquadradas em termos de avaliação de risco na legislação comunitária.”
Para a sub-diretora da DGAV, é inquestionável a necessidade de ter “variedades mais resistentes a pragas e doenças e que possam apoiar os agricultores na transição que a Comissão pretende que se faça no âmbito da estratégia Farm to Fork.”
O presidente da ANSEME, António Sevinate Pinto, destacou os resultados de um estudo da Euroseeds que demonstra a importância do melhoramento das plantas. Realizado em praticamente todos os países e versando uma dezena de culturas importantes, como os cereais, a beterraba, o milho, a colza, o girassol, entre outras, o estudo mostra que “sem melhoramento, teria havido uma perda de 20% da produção agrícola na Europa.”
Para conseguir atingir os objetivos definidos nas estratégias europeias, assegurou António Sevinate Pinto que “não podemos dispensar a biotecnologia, em particular as novas técnicas de melhoramento”. E, para isso, “há que encorajar e não dificultar o investimento nos melhoradores, reforçar a investigação de bases feita pelas universidades, apoiar as campanhas de sensibilização para combatar a desinformação e promover a clarificação de conceitos e uma regulamentação clara que permita que toda a atividade seja transparente e acima de tudo compreendida”, defendeu António Sevinate Pinto.
Quem não tem dúvidas que a aceitação da biotecnologia vai acontecer é o presidente da CAP. Para Eduardo Oliveira e Sousa, a questão que se coloca é quando: “A velocidade com que vai acontecer vai depender ou da força das circunstâncias (veja-se o exemplo da vacina para o vírus da Covid) ou da introdução de alguma razoabilidade na forma como as pessoas começam a entender estes assuntos.”
Eduardo Oliveira e Sousa lamentou que tenha sido a guerra na Ucrânia a obrigar a fazer uma reflexão acerca dos objetivos que estão na base do Pacto Ecológico Europeu. “A Estratégia Farm to Fork, a Estratégia para a Biodiversidade, a meta de alcançar 25% do território em agricultura biológica, etc., tem de estar agora tudo em stand by enquanto não percebermos o que é que vai acontecer ao mundo. Penso que um bocadinho de excesso de cautela na fase em que estamos é capaz de ser sensato, porque a crise alimentar é muito rápida a aparecer. Assim que os barcos não conseguirem circular, os contingentes de matérias primas e de bens alimentares ficarem retidos nas suas origens, a concorrência dos poderosos deitar a mão ao pouco que venha a circular, nós passamos a ficar sujeitos a uma crise que pode ganhar dimensões muito preocupantes. Por isso convém pensar na forma de ir ultrapassando isto.”
Respondendo à pergunta do webinar, o presidente da CAP foi peremptório: “O Pacto Ecológico e o PEPAC não podem ignorar a biotecnologia. A UE não pode travar as NGT. A força das circunstâncias vai levar a que os processos ganhem outra dinâmica.” Da parte dos agricultores, assegura, existe recetividade para acolher as novas técnicas de melhoramento de plantas.
Outra questão abordada no evento foi a comunicação. Será que o público está a ser bem informado sobre as Novas Técnicas Genómicas? O que podem os cientistas fazer para comunicar melhor os benefícios da biotecnologia na produção de alimentos? Jorge Canhoto acentuou que é na Europa que a resistência se manisfesta mais. O investigador afirma que a oposição, muito incentivada por grupos ambientalistas, não faz sentido face às evidências científicas. “Desde 1996 já foram produzidos milhões e milhões de toneladas de OGM, os animais já comeram OGM, nós já comemos OGM, e em 2022 ninguém é capaz de apontar um único problema ambiental e de saúde pública relativo aos OGM. Isto mostra que os OGM são seguros dentro daquilo que podemos dizer que uma coisa é segura. Temos que confiar nos organismos que regulam a produção destes alimentos” – a EFSA no caso da Europa e a FDA no caso dos EUA.
Não obstante, como referiu Jorge Canhoto, um inquérito mostra que desde 2010 até 2019 a perceção das pessoas relativamente à biotecnologia tem melhorado, especialmente nos países da Europa Central (Alemanha, Áustria e países nórdicos). “Acho que a pouco e pouco as pessoas vão-se apercebendo que estas tecnologias, para além de não serem prejudiciais em termos de saúde pública e ambientais, têm um papel importante nesses aspetos. Ou seja, atualmente é possível produzir alimentos que são enriquecidos com determinados componentes, como por exemplo o arroz dourado que é produzido com betacaroteno e pode suprir simultaneamente deficiências alimentares e resolver problemas relativos à visão em algumas populações do globo. Por outro lado, é inequívoco que este conjunto de técnicas podem ser extremamente importantes face às alterações climáticas e ao aparecimento de novas pragas e doenças nas culturas.”
Ainda no que respeita à comunicação de biotecnologia , Ana Paula Garcia salienta que é importante haver coerência da parte das entidades públicas com responsabilidade na aprovação de OGM e de produtos fitofarmacêuticos nesta matéria. “Temos que ser coerentes. Se aprovamos é porque consideramos seguro e temos que defender essa ideia. Isso tem falhado em Portugal e em praticamente todos os países da União Europeia.”
Eduardo Oliveira e Sousa acrescentou que “a solução está no conhecimento” e este “tem de ser reconhecido em primeiro lugar pelos organismos oficiais.”
A encerrar o evento, o secretário-geral da CAP, Luis Mira, considerou que a Europa está a enfrentar, do ponto de vista alimentar, o maior desafio depois da Segunda Guerra Mundial e que a questão que se coloca objetivamente é se a Política Agrícola responde às necessidades dos cidadãos europeus. Para Luís Mira, a resposta é não. Referindo-se à lentidão de toda a estrutura europeia em adaptar-se à mudança radical de circunstâncias como aquela que estamos a viver, Luís Mira afirmou que “talvez seja uma oportunidade para se rever as posições sobre a biotecnologia”: “As novas técnicas genómicas são instrumentos vitais para apoiar a reprodução vegetal e o setor agrícola como um todo. Não vejo como é que se poderá passar sem elas, como é que se poderá desperdiçar esta oportunidade. E se a Europa continuar a teimar em não permitir na sua plenitude a utilização destas técnicas, nós vamos ficar cada vez mais atrasados face a outros países que estão a utilizar esta tecnologia e depois exportam para cá os produtos que nós precisamos. É altura de a Europa acordar, esperemos que essa seja uma das vantagens das circunstâncias que estamos a viver.”
Veja aqui a gravação do webinar “Podem o Pacto Ecológico e o PEPAC ignorar a biotecnologia?”