O Grupo Europeu de Ética em Ciência e Novas Tecnologias (EGE) acaba de divulgar um relatório sobre “Ética na Edição do Genoma”. Nele, os eticistas afirmam que o uso das novas tecnologias que permitem editar o genoma em plantas pode ajudar a União Europeia a garantir a segurança alimentar, a reduzir o impacto da agricultura no ambiente e a cumprir a estratégia ‘Farm to Fork’.
De acordo com o relatório Ética na Edição do Genoma, realizado pelo Grupo Europeu de Ética em Ciência e Novas Tecnologias (EGE) e publicado no dia 19 de março de 2021, o uso de tecnologias de edição de genoma em plantas pode contribuir para garantir a segurança alimentar e uma agricultura mais sustentável, reduzindo significativamente o seu impacto ambiental.
No documento, os eticistas advogam a favor das tecnologias de edição do DNA em plantas, alegando que, graças à sua alta precisão, eficiência e baixo custo, podem ajudar a União Europeia a atingir as metas que definiu na estratégia ‘Farm to Fork’, onde, entre muitas outras medidas, propõe a redução de 30% do uso de fertilizantes e a transformação de 25% da área de cultivo em agricultura biológica até 2030.
Sem contestar as medidas propostas na estratégia ‘Farm to Fork’ e reconhecendo que “o modo atual de produção agrícola contribui significativamente para a crise climática”, o Grupo Europeu de Ética alerta, no entanto, para a necessidade de criar alternativas viáveis e sustentáveis por forma a “assegurar a segurança alimentar, o fornecimento de recursos renováveis para produzir combustíveis, ração para alimentação animal e fibras, e a salvaguarda da biodiversidade e a proteção do meio ambiente.”
Depois de analisar os efeitos da utilização da edição de DNA em humanos, animais e plantas, o EGE é da opinião que a UE deve acelerar a sua utilização no melhoramento de plantas. Segundo os membros do painel do Grupo Europeu de Ética em Ciência e Novas Tecnologias, a adoção da tecnologia não só levaria a uma produção mais sustentável de alimentos como permitiria aos Estado Membros da UE fazer face à forte concorrência internacional.
A edição do DNA de plantas é um processo com resultados finais semelhantes aos obtidos pelos métodos tradicionais de melhoramento de plantas, muitos deles baseados na indução de mutações com o objectivo de induzir novas características. A grande diferença reside no tempo e na precisão que são necessários para melhorar ou introduzir características específicas nas plantas. “Através de métodos convencionais, a modificação de uma característica pode levar até cerca de 8 anos em plantas anuais, como os cereais, enquanto a edição permite os mesmos resultados em menos de um ano.
Para além disso, a edição do genoma é um método preciso e fiável, pois permite modificar um local preciso do genoma. Pelo contrário, a mutagénese ou a introgressão de genes, são processos aleatório, que no final, podem não conduzir a nenhuma alteração interessante ou levar mesmo a modificações desvantajosas”, explica o investigador Jorge Canhoto, Presidente da Direção do CiB – Centro de Informação de Biotecnologia.
“Aplicar a Diretiva que regulamenta os OGM à obtenção de plantas por edição do genoma é tão absurdo como aplicar a legislação sobre a emissão de gases de efeito de estufa às bicicletas.”
Para o recém eleito Presidente da Direção do CiB, a regulamentação da Edição do Genoma “deve refletir as evidências científicas atuais devendo a sua adoção ou não, para cada caso específico, corresponder a uma ponderada avaliação dos riscos e benefícios”, à semelhança do que se faz com a aplicação de qualquer tecnologia ou medicamento.
Neste contexto, “a avaliação das agências reguladoras deve centrar-se não no tipo de tecnologia que leva à obtenção de uma determinada variedade, mas sim nas caraterísticas dessa mesma variedade, em particular no que diz respeito à sua avaliação em termos ambientais e de saúde pública.” Este procedimento é adotado em muitos países que utilizam a edição do genoma no melhoramento de plantas, pelo que Jorge Canhoto “não compreende que variedades obtidas por mutagénese possam chegar ao mercado sem grande escrutínio, enquanto plantas obtidas por edição do genoma sofrem fortes constrangimentos reguladores, diminuindo assim a competitividade dos agricultores europeus e do próprio setor agroalimentar face a países terceiros.
O relatório do GEE, embora sublinhando o esforço global que deve ser feito para reduzir a utilização de agro-químicos na agricultura, um dos principais eixos estratégicos da produção agrícola comunitária no âmbito da Estratégia ‘Green Deal’/’Farm to Fork’, não deixa de chamar a atenção para o facto dessa redução dever ser acompanhada por alternativas que permitam aos agricultores manterem, ou mesmo aumentarem os actuais níveis de produção de alimentos, contribuindo assim para a segurança alimentar global. “Uma estratégia deste tipo só faz sentido se a redução de agro-químicos for acompanhada pela obtenção de plantas mais aptas para sobreviver em condições de stresse como aquelas que se esperam em extensas áreas do continente europeu devido às alterações climáticas”, reforça o presidente da Direção do CiB.
Jorge Canhoto lembra o que a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, referiu recentemente: “O Green Deal é muito mais que um programa de redução de emissões, é acerca da modernização sistemática de toda a economia EU”, o que implica certamente uma actividade económica tão importante como a agricultura. “Modernizar a agricultura sem que se permita a obtenção de plantas mais tolerantes aos stresses ambientais e às pragas e doenças que permanentemente vão surgindo, parece no mínimo difícil”, acrescenta o presidente da Direção do CiB.
O relatório “Ética na Edição do Genoma”, do EGE, faz parte de um estudo mais amplo que a Comissão Europeia está a realizar a pedido dos Estados Membros, com o intuito de aferir a segurança da utilização das novas técnicas genómicas, entre as quais a edição do genoma, nos setores da agricultura, indústria e farmácia.
O CiB-Centro de Informação de Biotecnologia considera que o relatório do EGE, a que se seguirá o estudo da Comissão Europeia realizado pelo Joint Research Center (JRC) e cuja divulgação está prevista para abril, é um sólido ponto de partida para União Europeia alterar “uma legislação obsoleta, presa no tempo e sem grande ligação à realidade científico-tecnológica atual”. “Uma legislação moderna tem que acompanhar os avanços da ciência para poder corresponder aos anseios dos cidadãos e regulamentar de forma precisa os diferentes tipos de procedimentos usados no melhoramento de plantas. Aplicar, como parece ser intenção de alguns, a Diretiva que regulamenta os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) à obtenção de plantas por edição do genoma, é tão absurdo como aplicar a legislação sobre a emissão de gases de efeito de estufa às bicicletas.”
De lembrar que em 25 de julho de 2018, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) emitiu um despacho onde concluiu que os organismos desenvolvidos através de novas técnicas genómicas constituem OGM, tendo-os, por isso, incluído na Diretiva 2001/18. Desde então, este despacho tem sido questionado e alvo de contestação, especialmente por parte da comunidade científica.
Enquanto a União Europeia vai ficando para trás, o resto do mundo está a considerar seriamente a adoção da tecnologia. É o caso do Reino Unido, que depois de sair da UE lançou uma consulta pública sobre a possibilidade de autorizar a edição de genes em plantas. É também o caso da Argentina, que alterou a legislação, e de outros países da América do Sul, que lhe seguiram o exemplo. Na mesma direção caminham os EUA, Canadá, Austrália e Japão. Na Rússia, China, Índia e África do Sul o tema está em debate.